sábado, 17 de maio de 2008

A Teoria dos Mercados de Faixas de Trânsito

- Para onde?
- Faria Lima.
- Qual altura?
- 3729.
- JP Morgan?
- Isso mesmo. Leva muita gente pra lá?
- Daqui de Cumbica sempre tem gente indo pros bancos da Faria Lima. O senhor veio no vôo 121 da Delta?
- Isso mesmo. Conhece bem os horários hein?
- Costumo prestar atenção nas coisas.
...
...
- Como estava Nova Iorque?
- Bastante frio.
- Pela pouca bagagem não deve ter aproveitado as promoções dessa época...
- Com todo esse estresse é impossível. Fui pra lá na quarta, e só reuniões desde então. Fora que tive que trabalhar durante os vôos. Mal dormi.
- 2 vôos longos em 2 dias deve ser muito cansativo mesmo.
- Tenho outra reunião daqui a 50 minutos no banco. Tô ferrado com esse trânsito da manhã...
- E hoje é o pior dia da semana. Mas não se preocupe. O senhor pegou o táxi certo. Tenho um método que o deixará lá a tempo.
- Duvido. Você nem sai dessa faixa que tá parada...
- Calma senhor. Ela vai começar a andar em alguns segundos e então as outras duas pararão.
...
- Viu só? Então vou lá pra faixa da direita pois agora são as da esquerda que travarão.
- Poutz! E não é que você chutou certo?
- Isso tá me parecendo um acidente que deve estar ocupando uma faixa e meia da pista. Deve ter sido entre carro e moto.
...
- Você já passou por aqui hoje?
- Oi?
- Você já passou por aqui hoje? Como você sabia da batida?
- Não. É que eu reconheci um padrão de fluxo que indicava o bloqueio das faixas. Aí ficou simples.
- Como assim?
- Desde que saímos do aeroporto eu vim prestando atenção em como o tráfego fluía nas diferentes faixas dessa pista. Quando o trânsito parou na faixa da esquerda, o índice Jatobá da faixa da direita explodiu. Então eu...
- Índice Jatobá?
- Sim. Um índice criado por mim: Tobias Jatobá.
- Como assim índice? Do que você tá falando?
- De um indicador da fluidez futura das vias.
- Ãh?!?!
- OK. É melhor eu começar do começo.
- Tem um taxista mais doido que o outro nesse mundo...
- A sua profissão vai ajudar o senhor a entender melhor minha teoria.
- Ah...existe uma teoria! E o que minha profissão tem a ver com ela?
- Pense que cada faixa de cada pista da cidade é uma ação.
- Ação, como andar pra frente e pro lado?
- Não. Ação da bolsa de valores.
- Hahaha! Essa é ótima. Tá, e aí?
- Cada faixa é uma ação de uma empresa. Mas diferentemente da bolsa, você pode aplicar seu capital em um só papel por vez. Não existe diversificação. Afinal, você não pode ter seu carro em duas faixas ao mesmo tempo.
- É. Isso é óbvio.
- Os investidores em ações visam a valorização do papel e o pagamento de dividendos. Eles querem aumentar o capital. No trânsito, a finalidade do motorista é chegar o mais rápido possível ao destino. Para isso, ele escolhe as vias de maior fluidez, o análogo às ações de maior rentabilidade. Na bolsa de valores, quando um papel não vai bem, o investidor aplica seu capital em outro lugar. Se o motorista percebe que sua faixa parou, ele muda de faixa. Às vezes uma ação melhora muito seu desempenho após um período em queda. O mesmo vale para as faixas e vias da cidade. Se o preço de uma ação começa a subir, muitas pessoas passam a comprá-la para aproveitar a boa onda. Então os preços estagnam e podem até cair. Se uma faixa de trânsito anda muito mais rápido que as outras, os motorista se deslocam para ela, até a saturem. Então, haverá congestionamento ali também, deixando as outras mais livres.
- Boa analogia.
- Eventualmente, investidores compram uma ação em alta, mas logo ela inverte sua tendência e eles perdem dinheiro. A semelhança também vale aqui. Quantas vezes o senhor mudou para uma faixa mais rápida mas que parou alguns segundos depois que o senhor estava nela?
- É verdade.
- O oposto também é verdadeiro. Alguns investidores mantêm suas posições durante algumas quedas com a esperança de que o valor do papel voltará a subir. De vez em quando, o motorista se mantém na mesma faixa esperando um aumento de velocidade que não vem. Por essas decisões erradas que acontecem frequentemente no trânsito, alguns motoristas acreditam que não adianta ficar mudando de faixa, pois após ultrapassarem e serem ultrapassados, eles demoram o mesmo tempo para chegar ao destino que demorariam se tivessem permanecido sempre na mesma faixa. É como se não fosse possível ser mais veloz que o fluxo médio da via como um todo. No mercado de ações...
- A teoria dos mercados eficientes!
- Exato. Muitos acreditam que não é possível vencer o mercado. A teoria considera que todas as pessoas são sempre racionais. Que sempre tomam a decisão mais sensata. Portanto não seria possível, que algum investidor, tendo a mesma informação que outro, conseguisse um rendimento melhor, pois todos, racionais que são, tomariam as mesmas decisões. Mas como alguns operadores conseguem rentabilidades muito superiores aos índices das principais bolsas?
- Opa! Disso eu entendo. Nem sempre as pessoas são racionais. Muitas vezes são levadas pela emoção. Por isso que não vendem um papel em queda com a esperança de uma guinada.
- Exato. Nas ruas da cidade é a mesma coisa. E os motoristas, sem saber, aceitam a teoria dos mercados eficientes. Você sempre ouve: "A faixa que eu estou é sempre a mais lenta. Não adianta trocar de faixa". Alguns alegam que se trata do legado de Murphy, mas no fundo estão sendo regidos por uma teoria do mercado de ações.
- Nunca tinha olhado para o trânsito por esse lado.
- Entretanto, é possível desrespeitar tal teoria e aumentar a rentabilidade, digo, velocidade. Eu aplico muitas ferramentas de análise técnica aos congestionamentos diários. Uso indicadores das bolsas de valores para economizar tempo no trânsito.
- O indicador Jatobá!
- Índice Jatobá. Ele é um indicador que não dá sinal muito frequentemente, mas quando fala, deve ser ouvido. Uso outros indicadores, como índice de força, etc.
- Mas você tem que fazer algumas adaptações, correto? Na bolsa de valores, você pode comprar qualquer papel a qualquer momento. No trânsito não.
- Bem notado. Aqui eu consigo "comprar" somente as "ações" adjacentes. Não consigo pular de faixas ou me tele-transportar para o outro lado da cidade. Tudo isso é levado em conta na minha teoria.
- OK. Tudo isso faz sentido. Você pode transformar o preço das ações em velocidade das faixas e analisar o histórico para prever o futuro usando a análise técnica adaptada ao tráfego. Porém, os operadores da bolsa de valores usam computadores para montar gráficos e calcular índices. Não vai me dizer que você faz tudo de cabeça...
- Correto. O cálculo aqui não precisa ser exato e é bem mais simples do que no mercado de ações. Porém, exigiu bastante prática. No começo eu não sabia se era a teoria que não funcionava ou era se eu que errava os cálculos. Hoje, isso é um comportamento natural para mim. Olho para o fluxo das faixas e para o velocímetro. Nem preciso pensar muito. Tiro minhas conclusões rapidamente. O que exige mais esforço é a análise a longo prazo.
- Tem isso também?
- Como para a bolsa, você pode fazer análise em diversas escalas de tempo. Enquanto dirijo, é como se fosse um day-trading. Quando chego em casa, analiso meus dados colhidos durante o dia junto com as notícias do trânsito por toda a cidade. Adiciono isso às informações sobre obras e eventos, como shows, jogos de futebol, manifestações, feriados, etc. do dia seguinte e faço uma previsão.
- Ou você é um gênio ou um louco!
- Cada avenida ou região da cidade é como um setor da economia. Se um setor vai mal, é melhor evitar as empresas que atuam em tal área. Se uma região possui muitos congestionamentos, é recomendado não pegar nenhuma faixa dessa área da cidade. É o que eu faço. Já predetermino as melhores avenidas por onde passar no dia seguinte. Muita coisa é análoga. Até as variações sazonais. Muita coisa dos dois mercados, o de ações e o de faixas de trânsito, pode ser explicado pela psicologia de massa. Consigo prever as reações da multidão a determinados acontecimentos.
- E dá certo?
- Dá sim. Veja, por exemplo, que já estamos na Juscelino.
- Nossa Senhora! Com o nosso papo, nem tinha percebido. Inacreditável como viemos rápido mesmo com todo o trânsito de hoje.
- É a minha teoria.
- É a sua teoria...
...
- Chegamos.
- Pode ficar com o troco. Eu tenho uma reunião agora, mas você não quer esperar no meu escritório e depois conversamos mais a respeito da sua teoria? Acho que você teria um futuro promissor no banco.
- Infelizmente não posso. Hoje é o dia da semana que tem mais passageiros. Obrigado pela caixinha.