sexta-feira, 2 de março de 2007

O Nome de J. Pinto Fernandes

Uma inesperada brisa matinal refrescava aquela quarta-feira de janeiro. Os comerciantes locais abriam suas portas. Uma senhora puxava, com certa dificuldade, seu carrinho pela rua de paralelepídedos em direção à feira perto da praça. O novo office-boy, que começara na segunda da mesma semana, saiu pela terceira vez à calçada para verificar se o patrão chegava. Frustado, entrou novamente no escritório.
- Ainda não? – A secretária perguntou.
- Tsc tsc.
Se o tal cliente, localizado no outro lado da cidade, não recebesse aqueles dois contratos até às 10, o negócio não seria fechado. A secretária exalava desespero:
- Mas ele não os assinou?
- Você não escuta? Ele assinou um só.
O office-boy sacou os contratos de sua pasta e os mostrou à secretária. Ao ver a assinatura, ele se lembrou de uma dúvida que tivera no dia anterior:
- Qual é o nome do Sr. Fernandes?
- Ele nunca se atrasou assim. Estranho…
- Você não escuta mesmo. – Aumentou o tom da sua voz.
- Hein?
- O nome do chefe. Qual é?
- Sr. Fernandes oras…
- Não! O primeiro nome. O jota. O que significa o maldito jota?
A apreensão do rosto da jovem foi substituída por um sorriso. Naquele momento um homem de meia idade, vestindo terno e gravata, saiu de outra sala e se dirigiu aos dois de forma apressada.
- Estou com aquele fornecedor na linha. Ele ainda não chegou?
- O nosso novo colega tá perguntando o que significa o jota no nome do chefe.
O homem elegante se acalmou e também sorriu.

Ao fundo da já citada rua de paralelepípedos surgiu, quase em marcha atlética, o Sr. Fernandes. Apesar dos vários algarismos no saldo de sua conta bancária, ele não possuia um automóvel. Naquela manhã estava tão preocupado com seu atraso que nem sequer prestava atenção aos carros enquanto atravessava a rua. Não notou uma pedra que tinha no meio do caminho e caiu de joelhos no chão. Após se levantar soltou três ou quatro blasfêmias olhando para o céu. Logo em seguida lembrou-se de Carlos, seu pai, que com sapiência dizia “Não se deve xingar a vida, a gente vive, depois esquece”.
Era um homem sério cujo rosto magro se mostrava esculpido pelo tempo. Um funcionário se referia a ele como “o homem atrás dos óculos e do bigode". Andava sempre bem vestido e acompanhado de uma pasta preta, a qual ninguém sabia o que tinha dentro. Mais intrigante que o conteúdo de sua maleta era o significado da letra jota de seu nome.

- O nosso novo colega tá perguntando o que significa o jota no nome do chefe.
- Ai ai ai, meu caro. Esse é o terceiro segredo de Fátima. Você mal foi admitido e já está se indagando sobre tão delicado assunto.
- É…eu achei estranho, porque ontem fui pagar uma conta com um cheque dele e vi que na assinatura não tinha o primeiro nome. O mais engraçado é que o nome impresso no cheque tá igual ao da assinatura: J. Pinto Fernandes. E os contratos foram feitos no nome da empresa, não no nome dele.
- Nos cartões de visita o nome também está dessa forma. Ele toma todas as precauções. Ninguém conhece o seu nome. Pelo menos ninguém que eu conheça. E ele exige…
- E ele exige ser chamado de Sr. Fernandes como você já deve ter percebido. – A secretária o interrompe.
- Mas ninguém nunca viu um documento dele?
- Ele sempre faz sozinho as coisas que precisam de seus documentos.

Após lembrar da frase de seu pai, o Sr. Fernandes voltou a caminhar rapidamente. Sabia que não poderia perder o respeito dos empregados chegando atrasado. Entretanto, não imaginava a euforia causada pelas discussões sobre seu primeiro nome. João, Joaquim, José, Jonatas. Parecia um daqueles bolões de copa do mundo. Havia os mais engraçadinhos que chutavam propositalmente nomes de duplo sentido como Jacinto Pinto Fernandes. Ou outras palavaras como Jumento Pinto Fernandes, fazendo referência a uma possível escassez de inteligência.
Uma informação que apenas o narrador de sua história possui é que, quando criança, o Sr. Fernandes odiava o próprio nome. Ele pensava em todas as outras possibilidades que seu pai teria tido na hora de seu batismo e tentava achar algum motivo para a escolha de sua graça. Até que um dia percebeu que uma mudança de nome não alteraria a mediocridade de sua existêcia. “Mundo mundo vasto mundo se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução.”, disse para si mesmo. A partir dali parou de pensar em outros nomes e passou a ocultar o seu.
Na fatídica quarta-feira, ele corria para chegar ao trabalho. Nunca ninguém o vira tão apressado. Notava-se as primeiras gotas de suor. Depois de uns três minutos alcançou a entrada da empresa. Ao abrir a porta ouviu:
- … precisam de seus documentos.
- Que documentos? – Sr. Fernandes perguntou.
- Esses contratos aqui. – respondeu a secretária sem titubear – Eles devem ser entregues àquele cliente em 15 minutos no máximo e falta o senhor assinar um deles.
Foi naquela hora que o recém-chegado office-boy realizou o que para uns foi um ato de pura coragem e para outros um erro sem precedentes. “E agora José?”, disse o rapaz em modo convicto.
- Perdão? – Estranhou Sr. Fernandes.
- O que vamos fazer? O cliente fica muito longe. Não dá tempo.
- Espera. Do que você me chamou?
- De José. Não é o seu nome?
- Passe no departamento pessoal por favor. – Depois voltando-se à secretária – Prepare o cancelamento do contrato temporário desse rapaz. – E foi para sua sala.
- Sr. Fernandes! E os contratos pro cliente? – A secretária gritou.
Sem falar nada, ele entrou em sua sala e bateu a porta. Logo em seguida, os outros três ouviram o rumor da fechadura sendo trancada.
“Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer.”, lembrou-se o office-boy pelo resto de sua vida.

Depois do ocorrido ninguém mais ousou tentar descobrir o nome do Sr. Fernandes. O mistério passou a ser muito mais enigmático. O significaria aquele jota? Qual era o nome de J. Pinto Fernandes?
Anos depois, quando essa história ainda era contada aos novos funcionários, ele se casou com Lili, uma bela garota, bem mais jovem que ele. Alguns diziam que ela não amava ninguém e os mais fofoqueiros comentavam que o casório ocorrera por razões financeiras. Ela era a única pessoa à qual o Sr. Fernandes dava o direito de tratá-lo por outro nome. Sua esposa sempre o chamava carinhosamente de docinho.

4 comentários:

Virgílio Vettorazzo disse...

Muito bom, Roberts. Mas eu to com aquela sensação maldita de que eu não entendi alguma coisa...
:)

Anônimo disse...

Ahhhhh seu peludo, vai tomar no meio do olho do seu cu encravado. Nao vou ler esse texto gigante aì nem fudendo. E copiou essa bosta da onde, hein ?

Gustavo disse...

O Sr. Fernandes é meu avô por parte de mãe.

Mas o sobrenome dele não é Fernandes.

Anônimo disse...

kkkkk, muito bom o texto...quem sabe vc não será um Futuro Carlos Drummond de Andrade.

curiosamente, Flávio Fernandes ! fernandes_85@hotmail.com